terça-feira, 24 de abril de 2012

Dona Dita


Escutando o velho rádio cinza, olhou para a janela da cozinha de sua casa e notou que alguns vidros não haviam sido limpos conforme gostaria. Irritou-se; Não que fosse apegada às janelas ou a algum tipo de limpeza profunda, apenas que ‘os nervos’ estavam à flor da pele.

Quem a conhece sabe que se deixa tocar Roberto Carlos no último volume e começa a limpar o guarda-roupa é porque o dia começou errado. Nessa manhã, notou que além de sujeira no vidro da janela, não havia água na geladeira. Arrastou o chinelo pela casa resmungando de suas obrigações como mãe, como vó, como esposa...

Foi no quintal regar suas plantas, já que essas pareciam ser as únicas que davam ouvidos a ela ultimamente. Mas, não eram; As filhas ouviam seus pitacos sobre a saúde dos netos que comiam tão pouco! Os netos, por sua vez, ouviam sobre os perigos de se estudar e trabalhar em São Paulo, a importância de se tirar boas notas e a cada novo conselho surgia uma nova piada.

Aliás, uma de suas marcas são as piadas e brincadeiras. Todo aniversário havia um presente, e em todo presente há umas 15 embalagens, o felizardo teria de passar por camadas de papéis coloridos até chegar em caixas para, finalmente, abrir um envelope com um colar ou uma meia. Uma vez, na Páscoa, os netos retribuíram com um ovo grande, suculento... quando abriu a embalagem viu que era só uma manga madura -  riu e chorou tanto que a família achou que teria um ataque.

Mas a saúde é de ferro, só fica parada quando as filhas apontam para o pé inchado de tanto andar. Quando serve a mesa é a última a sentar, certifica-se que todos estejam servidos, que não falte um grão de arroz na mesa, para então poder sentar e fazer seu prato – sem deixar de olhar para as refeições alheias, mede cada garfada dos presentes.

No passado, tinha de dividir um ovo e muita farinha entre os filhos. Hoje, não deixa que estranhos saiam de sua casa sem uma xícara de café ou um copo de água, aos mais íntimos oferece bolacha, à família abre a geladeira e a despensa, oferecer e aceitar comida é termômetro de amor.

E hoje, mesmo fingindo preferir ouvir o rei às reclamações dos netos e filhos, não se aguenta de amores pelos seus queridos. Rega as plantas, serve a mesa, varre o chão, pega as crianças no colo... Dita move uma família.




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